segunda-feira, 10 de maio de 2010

Humanismo

O Humanismo pode ser apontado como o principal valor cultivado no Renascimento. Baseia-se em diversos conceitos associados: Neoplatonismo, Antropocentrismo, Hedonismo, Racionalismo, Otimismo e Individualismo. O Humanismo, antes que um corpo filosófico, é um método de aprendizado que faz uso da razão individual e da evidência empírica para chegar às suas conclusões, paralelamente à consulta aos textos originais, ao contrário da escolástica medieval, que se limitava ao debate das diferenças entre os autores e comentaristas. O Humanismo afirma a dignidade do homem e o torna o investigador por excelência da natureza. Na perspectiva do Renascimento, isso envolveu a revalorização da cultura clássica antiga e sua filosofia, com uma compreensão fortemente antropocentrista e racionalista do mundo, tendo o homem e seu raciocínio lógico e sua ciência como árbitros da vida manifesta.[4] Seu precursor foi Petrarca, e o conceito se consolidou no século XV principalmente através dos escritos de Marsilio Ficino, Erasmo de Roterdão, Pico della Mirandola e Thomas More.
O brilhante florescimento cultural e científico renascentista deu origem a sentimentos de otimismo, abrindo positivamente o homem para o novo e incentivando seu espírito de pesquisa. O desenvolvimento de uma nova atitude perante a vida deixava para trás a espiritualidade excessiva do gótico e via o mundo material com suas belezas naturais e culturais como um local a ser desfrutado, com ênfase na experiência individual e nas possibilidades latentes do homem. Além disso, os experimentos democráticos italianos, o crescente prestígio do artista como um erudito e não como um simples artesão, e um novo conceito de educação que valorizava os talentos individuais de cada um e buscava desenvolver o homem num ser completo e integrado, com a plena expressão de suas faculdades espirituais, morais e físicas, nutriam sentimentos novos de liberdade social e individual.[5]

Reunindo esse corpus eclético de idéias, os homens do Renascimento cunharam ou adaptaram à sua moda alguns outros conceitos, dos quais se destacam as teorias da perfectibilidade e do progresso, que na prática impulsionaram positivamente a ciência de modo a tornar o período em foco como o marco inicial da ciência moderna. Mas como que para contrapô-los surgiu uma percepção de que a história é cíclica e tem fases de declínio inevitável, e de que o homem natural é um ser sujeito a forças além de seu poder e não tem domínio completo sobre seus pensamentos, capacidades e paixões, nem sobre a duração de sua própria vida. O resultado foi um grande e rico debate teórico entre os eruditos, recheado por fatos novos que apareciam a cada momento, que só teve uma resolução prática no século XVII, com a afirmação irresistível e definitiva da importância da ciência. Por um lado, alguns daqueles homens se viam como herdeiros de uma tradição que havia desaparecido por mil anos, crendo reviver de fato uma grande cultura antiga, e sentindo-se até um pouco como contemporâneos dos romanos. Mas havia outros que viam sua própria época como distinta tanto da Idade Média como da Antiguidade, com um estilo de vida até então inédito sobre a face da Terra, sentimento que era baseado exatamente no óbvio progresso da ciência. A história confirma que nesse período foram inventados diversos instrumentos científicos, e foram descobertas diversas leis naturais e objetos físicos antes desconhecidos; a própria face do planeta se modificou nos mapas depois dos descobrimentos das grandes navegações, levando consigo a física, a matemática, a medicina, a astronomia, a filosofia, a engenharia, a filologia e vários outros ramos do saber a um nível de complexidade, eficiência e exatidão sem precedentes, cada qual contribuindo para um crescimento exponencial do conhecimento total, o que levou a se conceber a história da humanidade como uma expansão contínua e sempre para melhor.[6] Talvez seja esse espírito de confiança na vida e no homem o que mais liga o Renascimento à antiguidade clássica e o que melhor define sua essência e seu legado. O seguinte trecho de Pantagruel (1532), de François Rabelais, costuma ser citado para ilustrar o espírito do Renascimento:

Todas as disciplinas são agora ressuscitadas, as línguas estabelecidas: Grego, sem o conhecimento do qual é uma vergonha alguém chamar-se erudito, Hebraico, Caldeu, Latim (…) O mundo inteiro está cheio de acadêmicos, pedagogos altamente cultivados, bibliotecas muito ricas, de tal modo que me parece que nem nos tempos de Platão, de Cícero ou Papiniano, o estudo era tão confortável como o que se vê a nossa volta. (…) Eu vejo que os ladrões de rua, os carrascos, os empregados do estábulo hoje em dia são mais eruditos do que os doutores e pregadores do meu tempo.
O preparo que os humanistas preconizavam para a formação do homem ideal são de corpo e espírito, ao mesmo tempo um filósofo, um cientista e um artista, se desenvolveu a partir da estrutura de ensino medieval do Trivium e do Quadrivium, que compunham a sistematização do conhecimento da época. A novidade renascentista não foi tanto a ressurreição da sabedoria antiga, mas sua ampliação e aprofundamento com a criação de novas ciências e disciplinas, de uma nova visão de mundo e do homem e de um novo conceito de ensino e educação.[6] O resultado foi um grande e frutífero programa disciplinador e desenvolvedor do intelecto e das habilidades gerais do homem, que tinha origem na cultura greco-romana e que de fato em parte se perdera para o ocidente durante a Idade Média. Mas é preciso lembrar que apesar da idéia que os renascentistas pudessem ter de si mesmos, o movimento jamais poderia ser uma imitação literal da cultura antiga, por acontecer todo sob o manto do Catolicismo, cujos valores e cosmogonia eram bem diversos. Assim, a Renascença foi uma tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, junto com influências orientais, judaicas e árabes, e onde o estudo da magia, da astrologia e do oculto não estavam ausentes.[7]

O pensamento medieval tendia a ver o homem como uma criatura vil, uma "massa de podridão, pó e cinza", como se lê em De laude flagellorum de Pedro Damião, no século XI. Mas quando se eleva a voz de Pico della Mirandola no século XV o homem já representava o centro do universo, um ser mutante, essencialmente imortal, autônomo, livre, criativo e poderoso, o que ecoava as vozes mais antigas de Hermes Trismegisto ("Grande milagre é o homem") e do árabe Abdala ("Não há nada mais maravilhoso do que o homem"). Esse otimismo se perderia novamente no século XVI, com a reaparição do ceticismo, do pessimismo, da ironia e do pragmatismo em Erasmo, Maquiavel, Rabelais e Montaigne, que veneravam a beleza dos ideais do classicismo mas tristemente constatavam a impossibilidade de sua aplicação prática universal e testemunhavam o deplorável jogo político, a pobreza e opressão das populações e outros problemas sociais e morais do homem real de seu tempo. Cabe notar que muitos pesquisadores consideram esta fase final não apenas como uma etapa no grande ciclo do Renascimento, e a estabeleceram como um movimento distinto e autônomo, dando-lhe o nome de Maneirismo.

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